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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A cidade perdida de R*

Por Rosângela C. Cavalcante

Estávamos eu e o pessoal do curso de pós-graduação em Arqueologia em uma cidade do litoral sul de São Paulo, para realizarmos um trabalho de campo num dos sítios arqueológicos do Vale do Ribeira. Fomos todos muito animados para podermos ver na prática aquilo que aprendemos em sala de aula.

Chegando a Cananéia, almoçamos em um restaurante local e, após a refeição, partimos de balsa para a Ilha Comprida, onde se localizava o sambaqui. O vento soprava forte, o céu era azul claro, o sol estava a pino, todos conversavam entre si e eu mergulhava nos meus pensamentos... Algo chamou a minha atenção, era como um rastro enorme deixado no céu, fiquei perplexa, nunca tinha visto nada assim tão impressionante, que chamei um dos meus colegas do grupo e indaguei se também ele tinha visto, e ele me respondeu que provavelmente era um avião. Eu fingi aceitar sua resposta, mas não concordei e fiquei só observando... Um presságio? Parecia mais um sinal de que algo estava pra acontecer!

A balsa atracou e todos descemos na ilha. O ambiente era tranqüilo, poucas pessoas apareciam no caminho e algumas delas olhavam para nós desconfiadas, como se não devêssemos estar ali: senti como se estivéssemos invadindo esse local de ilhas e praias paradisíacas.

A estrada até o sambaqui era larga e longa, o sol quente nos deixava mais cansados e o calor fazia com que o horizonte ficasse distorcido. Em dado momento, algo na estrada chamou minha atenção, algo que não conseguia ver nitidamente o que era, de longe parecia uma pessoa deitada na estrada, e dentro da minha mente eu ia formulando hipóteses. Não entendia por que ninguém mais comentava sobre o estranho fato, será que só eu estava impressionada com aquela pessoa estirada na estrada? Será que era alguma alucinação, devido ao calor? Ou será que era algo que só que só eu podia ver? Chegando mais perto, percebi que eram apenas galhos na estrada. Não me conformei com aquele aparente engano, parecia mesmo que havia coisas misteriosas acontecendo durante aquela viagem.

Saímos da estrada e percorremos o caminho que levava à entrada do sambaqui, onde encontramos pessoas muito estranhas recolhendo conchas: diante da nossa aproximação, elas correram, não entendi o motivo dessa reação, mais questionamentos povoaram a minha mente. Quem seriam aquelas pessoas? O que elas queriam? Por que reagiram de tal maneira?

Começamos então a andar no meio do sambaqui, a professora passou tarefas diferenciadas e organizou os grupos para realizá-las. O meu grupo ficou responsável por localizar pontos do sítio com o GPS, e eu fiquei responsável no grupo em mexer com o GPS, enquanto algumas pessoas anotavam e outras desenhavam a paisagem do sítio. O grupo começou o trabalho, com as pessoas andando pelo sambaqui e marcando as coordenadas. Nós chegamos a uma área onde o acesso era difícil e eu adentrei sozinha este local, carregando comigo o GPS.

Ali a mata era mais fechada e sombria e o terreno está muito lamacento e escorregadio, devido às chuvas no dia anterior. Eu ia marcando os pontos e gritando pro pessoal anotar. De repente, o GPS perdeu o sinal e a conexão com os satélites caiu, comecei a andar um pouco mais pra ver se conseguia novamente o sinal.

Nada do sinal aparecer novamente e, quando me dei conta, já não escutava mais as vozes do pessoal conversando na trilha, só havia os barulhos da própria selva. Estava eu no meio da Mata Atlântica, perdida!
Comecei então a tentar achar o caminho de volta, mas parecia que eu estava andando em círculos: olhei para o chão e vi que ainda me encontrava no sambaqui, pois havia muitas conchas no solo. Alguma coisa brilhante ofuscou minha vista. Peguei minha colher de pedreiro e comecei a cavar um pouco o solo do concheiro e encontrei um artefato lítico, em formato de algum animal que eu não conseguia identificar, era lindo!

Estava analisando mais detalhadamente aquele artefato e, como se fosse mágica, dele começou a emanar luz, muita luz. Esta luz projetava cenas, nas quais havia muitas pessoas em uma praia: crianças brincando, algumas cuidando dos afazeres domésticos, outras caçando e eu também podia ouvi-las falando em outra língua, desconhecida para mim. Percebi que aquele cenário correspondia ao local onde eu e meus companheiros de estávamos pesquisando.

Algumas dessas pessoas acompanhavam um cortejo, com passos lentos e cânticos, o que representava um sepultamento: colocaram o morto no sambaqui, que ainda não se encontrava do tamanho atual, juntamente com objetos líticos e outros adornos confeccionados com ossos e muito bem decorados. Depois, elas começaram a cobri-lo com conchas, muitas cochas, fizeram oferendas e junto consumiram um banquete, com muitas carnes e algumas frutas, que também era oferecido para o morto, novamente recoberto com mais cochas.

Eu via o sol se pondo naquele cenário e eles acenderam uma fogueira em cima do local e continuaram louvando e entoando cânticos. Ao final do ocaso, todos se retiraram e voltaram para suas habitações. Toda aquela visão sumiu e eu voltei a minha realidade com os gritos do pessoal chamando o meu nome. Estava ainda meio zonza, enquanto colegas me perguntavam onde eu estivera, pois todos estavam já preocupados com o meu sumiço; explique que havia me perdido e que tinha encontrado algo extraordinário, mas quando ia mostrar pra eles o objeto, este havia desaparecido de minha mão.

Pensei comigo, será que isto tudo foi real, será que foi ilusão, como pode um artefato pré-histórico projetar imagens e ainda imagens do passado ? Não sei o que aconteceu, não consigo explicar ou encontrar argumentos lógicos que me façam entender. Só sei que voltando para o local onde estavam todos, reapareceu aquele mesmo rastro no céu... E me perguntei novamente: por que tudo isso? Qual o sentido daquilo que eu vira? Um aviso? Por que eu deveria presenciar aquelas cenas? O que eu posso aprender com tal revelação? Apenas perguntas, sei que as respostas estão guardadas com o tempo.

Fim?

* O título deste conto é uma paródia e ao mesmo tempo um tríquetro. Tal como a civilização perdida no Brasil Central, que tornou célebre o explorador Percy Harrison Fawcett, no início do século passado, a cidade invisível descrita pela autora foi batizada com uma consoante, que é a inicial da pedra encontrada em Roseta (Egito), no século XVIII, e é também a inicial do seu pré-nome.






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