Pesquisar este blog

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A cidade perdida de R*

Por Rosângela C. Cavalcante

Estávamos eu e o pessoal do curso de pós-graduação em Arqueologia em uma cidade do litoral sul de São Paulo, para realizarmos um trabalho de campo num dos sítios arqueológicos do Vale do Ribeira. Fomos todos muito animados para podermos ver na prática aquilo que aprendemos em sala de aula.

Chegando a Cananéia, almoçamos em um restaurante local e, após a refeição, partimos de balsa para a Ilha Comprida, onde se localizava o sambaqui. O vento soprava forte, o céu era azul claro, o sol estava a pino, todos conversavam entre si e eu mergulhava nos meus pensamentos... Algo chamou a minha atenção, era como um rastro enorme deixado no céu, fiquei perplexa, nunca tinha visto nada assim tão impressionante, que chamei um dos meus colegas do grupo e indaguei se também ele tinha visto, e ele me respondeu que provavelmente era um avião. Eu fingi aceitar sua resposta, mas não concordei e fiquei só observando... Um presságio? Parecia mais um sinal de que algo estava pra acontecer!

A balsa atracou e todos descemos na ilha. O ambiente era tranqüilo, poucas pessoas apareciam no caminho e algumas delas olhavam para nós desconfiadas, como se não devêssemos estar ali: senti como se estivéssemos invadindo esse local de ilhas e praias paradisíacas.

A estrada até o sambaqui era larga e longa, o sol quente nos deixava mais cansados e o calor fazia com que o horizonte ficasse distorcido. Em dado momento, algo na estrada chamou minha atenção, algo que não conseguia ver nitidamente o que era, de longe parecia uma pessoa deitada na estrada, e dentro da minha mente eu ia formulando hipóteses. Não entendia por que ninguém mais comentava sobre o estranho fato, será que só eu estava impressionada com aquela pessoa estirada na estrada? Será que era alguma alucinação, devido ao calor? Ou será que era algo que só que só eu podia ver? Chegando mais perto, percebi que eram apenas galhos na estrada. Não me conformei com aquele aparente engano, parecia mesmo que havia coisas misteriosas acontecendo durante aquela viagem.

Saímos da estrada e percorremos o caminho que levava à entrada do sambaqui, onde encontramos pessoas muito estranhas recolhendo conchas: diante da nossa aproximação, elas correram, não entendi o motivo dessa reação, mais questionamentos povoaram a minha mente. Quem seriam aquelas pessoas? O que elas queriam? Por que reagiram de tal maneira?

Começamos então a andar no meio do sambaqui, a professora passou tarefas diferenciadas e organizou os grupos para realizá-las. O meu grupo ficou responsável por localizar pontos do sítio com o GPS, e eu fiquei responsável no grupo em mexer com o GPS, enquanto algumas pessoas anotavam e outras desenhavam a paisagem do sítio. O grupo começou o trabalho, com as pessoas andando pelo sambaqui e marcando as coordenadas. Nós chegamos a uma área onde o acesso era difícil e eu adentrei sozinha este local, carregando comigo o GPS.

Ali a mata era mais fechada e sombria e o terreno está muito lamacento e escorregadio, devido às chuvas no dia anterior. Eu ia marcando os pontos e gritando pro pessoal anotar. De repente, o GPS perdeu o sinal e a conexão com os satélites caiu, comecei a andar um pouco mais pra ver se conseguia novamente o sinal.

Nada do sinal aparecer novamente e, quando me dei conta, já não escutava mais as vozes do pessoal conversando na trilha, só havia os barulhos da própria selva. Estava eu no meio da Mata Atlântica, perdida!
Comecei então a tentar achar o caminho de volta, mas parecia que eu estava andando em círculos: olhei para o chão e vi que ainda me encontrava no sambaqui, pois havia muitas conchas no solo. Alguma coisa brilhante ofuscou minha vista. Peguei minha colher de pedreiro e comecei a cavar um pouco o solo do concheiro e encontrei um artefato lítico, em formato de algum animal que eu não conseguia identificar, era lindo!

Estava analisando mais detalhadamente aquele artefato e, como se fosse mágica, dele começou a emanar luz, muita luz. Esta luz projetava cenas, nas quais havia muitas pessoas em uma praia: crianças brincando, algumas cuidando dos afazeres domésticos, outras caçando e eu também podia ouvi-las falando em outra língua, desconhecida para mim. Percebi que aquele cenário correspondia ao local onde eu e meus companheiros de estávamos pesquisando.

Algumas dessas pessoas acompanhavam um cortejo, com passos lentos e cânticos, o que representava um sepultamento: colocaram o morto no sambaqui, que ainda não se encontrava do tamanho atual, juntamente com objetos líticos e outros adornos confeccionados com ossos e muito bem decorados. Depois, elas começaram a cobri-lo com conchas, muitas cochas, fizeram oferendas e junto consumiram um banquete, com muitas carnes e algumas frutas, que também era oferecido para o morto, novamente recoberto com mais cochas.

Eu via o sol se pondo naquele cenário e eles acenderam uma fogueira em cima do local e continuaram louvando e entoando cânticos. Ao final do ocaso, todos se retiraram e voltaram para suas habitações. Toda aquela visão sumiu e eu voltei a minha realidade com os gritos do pessoal chamando o meu nome. Estava ainda meio zonza, enquanto colegas me perguntavam onde eu estivera, pois todos estavam já preocupados com o meu sumiço; explique que havia me perdido e que tinha encontrado algo extraordinário, mas quando ia mostrar pra eles o objeto, este havia desaparecido de minha mão.

Pensei comigo, será que isto tudo foi real, será que foi ilusão, como pode um artefato pré-histórico projetar imagens e ainda imagens do passado ? Não sei o que aconteceu, não consigo explicar ou encontrar argumentos lógicos que me façam entender. Só sei que voltando para o local onde estavam todos, reapareceu aquele mesmo rastro no céu... E me perguntei novamente: por que tudo isso? Qual o sentido daquilo que eu vira? Um aviso? Por que eu deveria presenciar aquelas cenas? O que eu posso aprender com tal revelação? Apenas perguntas, sei que as respostas estão guardadas com o tempo.

Fim?

* O título deste conto é uma paródia e ao mesmo tempo um tríquetro. Tal como a civilização perdida no Brasil Central, que tornou célebre o explorador Percy Harrison Fawcett, no início do século passado, a cidade invisível descrita pela autora foi batizada com uma consoante, que é a inicial da pedra encontrada em Roseta (Egito), no século XVIII, e é também a inicial do seu pré-nome.






Viagem à Cananéia e Ilha Comprida

Pé na estrada

 Revisão: Adriane Costa da Silva

Nossa expedição era formada pela turma da pós-graduação em Arqueologia da UNISA, pelo coordenador Vagner e as professoras Cláudia e Adriane. Nós saímos da universidade por volta das 08:30 h do dia 18 de julho de 2009. O destino era um estudo do meio em um sítio arqueológico localizado em uma das ilhas do litoral sul do estado de São Paulo. Esse sambaqui faz parte dos bens tombados pelo Condephaat no município de Cananéia (latitude 25º00’53” sul, e longitude 47º55’36” oeste, com uma altitude de 8 metros do nível do mar).
Nós não estamos bem certos se foi esse caminho que percorremos, mas listamos alguns pontos da rota de viagem até Cananéia:

Grande São Paulo
0 Km Rod. BR-116
0 Km Taboão da Serra - SP
17 Km Embu - SP
26 Km Itapecerica da Serra - SP
39 Km Pedágio - São Lourenço da Serra
54 Km Juquitiba - SP
80 Km Miracatu - SP
102 Km Pedro de Toledo - SP
145 Km Juquiá - SP
163 Km Pedágio - Juquiá
193 Km Pariquera-açu - SP
201 Km Rod. SP-226
209 Km Rod. SP-222
210 Km Rod. SP-226
228 Km Estr. Municipal
253 Km Cananéia

Ao longo da estrada, nós admiramos belas paisagens: muitas montanhas, terras com uma vegetação densa, outras nem tanto, uma represa enorme, fazendas de gado, plantações de milho, de banana e de hortaliças. A viagem durou aproximadamente 4 horas, com parada de meia hora em um posto de gasolina e algumas voltas na rodovia. Havia uma loja de conveniência e nessa loja tinha um departamento de artesanato paulista muito interessante, com objetos feitos de cerâmica e até berrante.
Imagens: Maria Valdenice Timoteo



Valdenice e seus filhos, Álvaro e André, com berrantes


Participantes examinam peças de artesanato paulista



Chegamos à cidade por volta de 12:00 h, então, decidimos almoçar e depois iniciar nossa travessia de balsa, até a Ilha Comprida. Então, nós fomos para um restaurante escolhido pela nossa turma. Almoçamos contemplando a beleza do mar que divide Cananéia e Ilha Comprida, ao som das músicas do cantor Raul Seixas. O restaurante contava com aproximadamente 20 mesas, a maioria delas ocupada por estudantes e professores, além de alguns turistas que visitavam a cidade.


Cananéia
Quando nós chegamos à cidade, o ônibus atravessou um portal que delimita o perímetro urbano, com uma caravela monumental que remete ao período colonial. As fachadas das antigas casas e sobrados construídos com paredes de taipa de pilão e telhado de cerâmica, têm grandes portas e janelas retangulares ou arqueadas de madeira e vidro, coloridas em tons fortes, evidenciando traços da colonização européia. Essas casas e sobrados são utilizados como residência e também para lojas, restaurantes, pousadas e hotéis, conforme percebemos percorrendo as ruas calçadas de paralelepípedo em torno da praça batizada com o nome do fundador Martin Afonso de Souza.

Nesse local, encontra-se o obelisco que é o marco oficial da fundação da cidade, juntamente com dois velhos canhões, além de um coreto e da igreja jesuítica cujo padroeiro é São João Batista. A igreja construída também em taipa de pilão, é coberta com telhas de cerâmica, tem paredes grossas com fendas nas laterais e portas duplas de madeira em seu frontão e fundos, mas não tem janelas ou vitrais, e é pintada nas cores branco e azul.

A localização e as características arquitetônicas da igreja jesuítica dão a impressão de que esta edificação servia mais como uma fortaleza para os dias não tão calmos do passado, do que para missas, o que contrasta com a malemolência de Cananéia no presente. Procuramos realizar uma visita em seu interior, mas a igreja se encontrava fechada. Segundo informações de alguns moradores e comerciantes locais, ela abriria suas portas por volta das setes horas, mas não houve missa essa noite.


O post Informações sobre a divulgação do trabalho arqueológico na região do Vale do Ribeira (http://arqueologiaeeducacao.blogspot.com/2009/12/informacoes-sobre-divulgacao-do.html) nesta seção do blog apresenta um levantamento inicial sobre atividades educativas desenvolvidas em algumas cidades do Vale do Ribeira.

O artesanato local é comercializado em um dos sobrados na lateral da praça Martim Afonso e também em quiosques da rua do Artesanato, no centro histórico. Observamos muitos trabalhos com conchas, madeira, pedras e outros materiais. Um dos artesãos contou que alguns desses materiais eram recolhidos do mar, como por exemplo, as conchas e ossos utilizados em colares, pulseiras, e outros ornamentos confeccionados pelos caiçaras.

Ilha Comprida
Aproximadamente as 14:30h, tomamos a balsa para atravessar o canal e chegar a Ilha Comprida e ao sítio onde desenvolveríamos algumas atividades voltadas para o trabalho de campo em arqueologia. Quando chegamos à Ilha Comprida caminhamos aproximadamente 2 km, mais ou menos meia hora, por uma estrada de areia úmida devido aos dias chuvosos que antecederam nossa viagem. Nós adentramos na Mata Atlântica, caminhamos mais uns 500metros e encontramos alguns visitantes que estavam deixando as proximidades do sambaqui. Então, nós seguimos por uma trilha e percebemos que já estávamos pisando no sambaqui.
Em um primeiro momento foi um impacto, ouvir o som dos pés sobre aquelas conchas, ao mesmo tempo em que surgiram muitas indagações. Perguntas como: Qual seria a datação daquele sambaqui? O que revelaria se fosse realizadas escavações naquele sítio? Como era o dia-a-dia daquele povo que realizava sepultamentos naquele local em épocas remotas? Qual a relação que os habitantes atuais da localidade mantém com o sítio?


Atividades realizadas no sambaqui


Essa reconstituição do trabalho de campo está baseada nas anotações dos diários de campo de estudantes que participaram do estudo do meio. Divididos em grupos com 4 a 6 pessoas, o(a)s participantes desenvolveram atividades e registraram suas observações sobre os seguintes temáticas: topografia, descrição e análise do solo; descrição da vegetação, morfologia das conchas, modificação do sítio; identificação e delimitação do sítio com uso de GPS; localização do sítio com uso da bússola e medição das suas dimensões.

TEMA 1 – Topografia do sambaqui e morfologia das conchas


Participantes:Celso, Evelyn, Kate, Thalita
Nosso grupo teve como primeira tarefa reconhecer a topografia do sambaqui. Neste reconhecimento do campo passamos por vários níveis do sambaqui, contornando-o. As características encontradas no topo foram observadas ao longo do sítio. Os tamanhos e diversidade das conchas mudaram ao longo do percurso, apresentando variação de tamanho entre 2cm e 7cm.
Ao chegarmos ao ponto mais alto do sambaqui, observamos conchas misturadas com uma terra fofa e escura. Elas, aparentemente, são de diversos tamanhos e formatos. Nem todas estavam abertas, algumas permaneciam intactas.
Na encosta lateral desse sítio observamos que havia um pequeno vale, indicativo de ação humana. Pouco acima desse vale, percebemos grande quantidade de conchas lisas e limpas, parecendo que tivessem sido lavadas. Observamos também um buraco não muito grande, possivelmente de um tatu.
Depois, nós fomos à base do sambaqui e percebemos que as conchas encontradas seguiam o mesmo padrão descrito acima. Notamos também que existia água próxima ao sambaqui.
Fotografamos as conchas encontradas com indicação de tamanho.
Imagens: Kate Yamaguti














TEMA 2 - Descrição davegetação, morfologia das conchas, modificação do sítio

Participantes: Carlos, Luana, André, Eduardo, Anderson

Nossa tarefa era identificar à vegetação que cobria o sambaqui, tanto as árvores, as plantas do tipo samambaia, cipós e pequenas árvores com espinhos. Algumas plantas apresentavam umas manchas brancas que acreditamos ser uma espécie de fungo.
O sambaqui era formado por muitas conchas, algumas bem brancas outras mais amarelas, algumas maiores e outras menores. Em alguns pontos encontramos uma terra bem vermelha, e as conchas suavemente sobrepostas umas as outras. O grupo percebeu que nos limites do sítio havia uma nascente e um córrego: por isso, na base do sambaqui havia muita água.

Tema 3 – delimitação do sítio com o uso do GPS

Participantes: Simone Naves, Jaqueline Amaral, Josélia França, Rosângela Cavalcante

Nossa equipe ficou responsável pela medição da extensão do sítio com apoio do GPS. Começamos a atividade primeiramente fazendo um reconhecimento do sítio, nosso objeto de estudo.
Observamos a vegetação nativa, extensão do sítio. A priori, fizemos esse reconhecimento a olho nu, sem o auxílio do GPS. Feito essas observações, começamos a medição do sítio com o apoio do GPS, através desse aparelho, demarcamos doze pontos capturados pelo GPS.
O sítio foi demarcado até onde podíamos visualizar a existências de conchas, a partir do momento em que essas se tornavam escassas, era o indício de que estávamos no final do sítio. Iniciamos nossa demarcação no ponto 1, onde foi capturado uma elevação de 3 m, observamos que ao final da captura desses pontos houve uma variação muito grande na elevação, onde iniciamos com 3 m chegando a uma elevação de até26 m. Abaixo pontos capturados pelo GPS.

Ponto 1
23J0207301
UTN 7229931
Elevação 3 M

Ponto 2
23J0207319
UTN 7229946
Elevação 13 M

Ponto 3
23J0207318
UTN 7229950
Elevação 20 M

Ponto 4
23J0207312
UTN 7229972
Elevação 22 M

Ponto 5
23J0207316
UTN 7229972
Elevação 16 M

Ponto 6
23J0207316
UTN 7229997
Elevação 26 M

Ponto 7
23J0207332
UTN 7230011
ELEVAÇÃO 23 M

Ponto 8
23J0207323
UTN 7229953
Elevação 26 M

Ponto 9
23j0207338
UTN 7229963
Elevação 23 M

Ponto 10
23J0207338
UTN 7229966
Elevação 24 M

Ponto 11
23J0207335
UTN 7229969
Elevação 24 M

Ponto 12
23J0207336
UTN 7229966
Elevação 24 M

Imagens: Simone Ferreira Naves Angelin e Thalita Doretto

Anotação dos dados coletos com o auxilio do GPS

Reconhecimento do Meio



Observação da Paisagem


Tema 4 - Localização com o uso da bússola e medição, levantamento do croqui

Participantes: Eduardo, André, Carlos e Guilherme

O procedimento de mensuração do sítio foi realizado manualmente. Usamos a fita métrica grande e escolhemos uma encosta. Partimos do ponto mais alto do Sambaqui. Um membro da equipe descia em linha reta até um certo ponto identificável, enquanto outro segurava a fita e tirava a medida. Depois, ambos iam até este mesmo ponto, e o processo ia sendo repetido, descendo em linha reta até chegar à base do Sambaqui. Em cada ponto definido, fazíamos uma mini-sondagem, superficial, para ver se haviam conchas no solo, mas tentando não prejudicar o Sambaqui. O ponto final na encosta mais íngreme (norte) ficou bem na base do morro. Mediu aproximadamente 30 metros.
Repetimos o processo na encosta sul, que possuía inclinação mais suave. Ali, fizemos o caminho inverso. Chegamos até o córrego, onde encontrava-se a outra metade do grupo, e localizamos um ponto onde não haviam mais conchas no solo. De lá, fomos subindo o morro, linha reta sempre que possível, tirando medidas em pontos identificáveis. Esta encosta nos deu uma medida de aproximadamente 25 metros. O córrego coincidiu com boa parte dos limites sul do Sambaqui.
Indo em suas extremidades de norte a Sul, tiramos a medida de diâmetro do sítio visitado. O diâmetro, sentido norte a sul, foi de aproximadamente 50 metros, e nossas medições foram confirmadas por membros de outra equipe que estavam com bússola.

Vestígios contemporâneos
No meio do sítio, havia uma trilha, que poderia ser marca da presença de visitantes. Nesse caminho o chão encontrava- se bem batido, talvez pelo transitar das pessoas no sambaqui, o que compromete futuras pesquisas que poderão ocorrer neste sítio. Andar em um solo que homens há milhares de anos usaram como moradia, e também como cemitério, onde homens considerados pré-históricos também caminharam e sepultaram seus mortos, é como estar sobre um tesouro, um verdadeiro patrimônio, um livro que só poderá ser lido muito lentamente, através de estudos e pesquisa de campo.
Ao caminhar sobre o sambaqui encontramos muito lixo também, como garrafas pet, papéis de doces, balas, e outros, que foram deixados neste sítio para poluir e com isso comprometer nosso patrimônio histórico.

De volta para casa
Ficamos aproximadamente 2 horas estudando o sítio, depois disso tivemos que voltar, pois o sol já começava a se pôr, e não estávamos preparados para ficar no escuro. Esperamos a balsa por aproximadamente meia hora, tomamos o ônibus e voltamos para São Paulo. O tempo foi curto, mas o que valeu foi a experiência que tivemos, o contato com esse universo a ser estudado, o sítio sambaqui de Cananéia.
Na estrada houve um grave acidente um outro veículo, que provocou congestionamento por quilômetros. O ônibus continuou seguindo pela rodovia por uma distância considerável, até a confirmação de que o acidente ocorrera de fato, não era boato, e a passagem pela estrada estava impraticável. Retornando na estrada, voltamos por Peruíbe e chegamos em São Paulo com diversas horas de atraso. Mesmo assim, todos nós nos divertimos e aprendemos bastante durante a viagem.


Siga o link para ler o post da Folha Online


Roteiro
Anderson Rogério Tognoli

Textos
Corpo discente de 2009 do curso de especialização "Arqueologia, História e Sociedade" da Universidade Santo Amaro (UNISA)
Imagens

Kate Yamaguti
Maria Valdenice Timóteo
Simone Ferreira Naves Angelin
Thalita Doretto

Edição de textos e imagens
Adriane Costa da Silva
Simone Ferreira Naves Angelin

Coordenação Prof Dr Vagner Porto

Docentes
Profa Dra Cláudia Plens
Profa Ms Adriane Costa da Silva


segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pré-produção do estudo do meio em Cananéia e Ilha Comprida

Uma das atividades realizadas durante a preparação da viagem para Cananéia e Ilha Comprida colocou em pauta as técnicas para registrar o trabalho de campo através de textos e imagens, durante a sessão do dia 27 de junho de 2009, na disciplina Didática do Ensino Superior. A seqüência didática proposta nessa etapa de preparação voltou-se para atividades de leitura e análise de passagens dos diários de campo de viajantes de diferentes épocas e lugares.
Trechos do diário de B. Malinovisk sobre sua viagem às ilhas Trobriand (Pacífico Sul), relatos de viagem produzidos por naturalistas e etnólogos alemães, como Karl von den Stein, que redescobriram o Brasil no final do sec. XIX e início do sec. XX, diários de campo como os de B. Ribeiro e E. Galvão, que originaram etnografias clássicas produzidas em outros momentos de reinvenção das paisagens brasileiras, principalmente nos anos 1940 e 1950, e descrições etnográficas sobre populações indígenas do Alto Xingu (MT), como histórias e "causos" narrados pelos irmãos Villas-Bôas e narrativas indígenas, que circularam recentemente através do impresso, da televisão ou da internet, foram comparados a partir das seguintes questões: o que é registrado pelos viajantes que escreveram esses diários? O que ressalta aos olhos desses observadores? Quais aspectos ou características das populações nativas são descritas? De que forma ou através de que técnicas eles produziram esses registros? De que modo seus escritos são divulgados? Para qual público leitor? Quais as técnicas utilizadas na produção das imagens que acompanham as anotações nesses diários? De que forma textos e imagens apresentam aos leitores paisagens, modos de vida, objetos de cultura material e grafismos?
À leitura e comparação desses materiais, seguiu-se a análise de conceitos estéticos utilizados na composição das etnografias, destacando-se algumas figuras de pensamento e linguagem que são recorrentes nessas descrições etnográficas. (tropo, personificação ou prosopopéia, metáfora, metonímia, sinédoque e outras) e as técnicas utilizadas na produção de imagens (fotografias e ilustrações). As relações de identidade e alteridade são projetadas em imagens construídas através dessas narrativas, e modos de vida e culturas nativos são definidos a partir da ausência de certas instituições ou negação de determinados traços culturais ocidentais.
A maioria das descrições etnográficas analisadas têm como cenário a região do Alto Xingu (T.I. Xingu, MT) situada na Amazônia Legal. Além de Mato Grosso, essa área abrange outros estados brasileiros (Tocantins, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Maranhão e Pará) situados na Bacia Amazônica. Essa área engloba grande diversidade de paisagens, ecossistemas e populações tradicionais.


Para saber mais sobre a região da Amazônia Legal, consulte o verbete da Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Amaz%C3%B4nia_Legal, ou navegue pelo portal http://www.amazonialegal.org.br/.
Veja também os mapas temáticos do Diagnóstico Ambiental da Amazônia Legal no site do IBGE http://mapas.ibge.gov.br/amazonia/viewer.htm.


A área conhecida como Amazônia Legal não é recortada por um imperativo geográfico, mas por um conceito político: trata-se de um dispositivo jurídico criado para orientar as políticas públicas desenvolvidas na região amazônica. Nesse cenário, deparamo-nos com questões sócio-culturais e econômicas que afetam as populações tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras) e outros grupos amazônicos, cuja repercussão nas políticas públicas voltadas para outras regiões do país, tal como o sudeste onde existe trechos preservados da Mata Atlântica ou o cerrado mineiro, é notável. Tais questões interessam a toda a sociedade brasileira e têm implicações para as pesquisas arqueológicas e antropológicas.
A região do Alto Xingu descrita por Karl Von dein Stein, Eduardo Galvão, Berta Ribeiro, Cláudio e Orlando Villas-Bôas pode ser localizada através de coordenadas geográficas, mas é também uma área etnográfica definida a partir de algumas características sobre destacadas por esses viajantes em suas etnografias. A paisagem exuberante dessa região de transição entre o cerrado e a floresta amazônica no norte do Mato Grosso é cenário de uma sociedade regional, na qual os grupos étnicos compartilham determinados valores e práticas como parentesco e organização social, padrões de assentamento, regime alimentar, sistema cerimonial, especialização comercial, mitologia, modelos cosmológicos, e cujos registros arqueológicos permitem traçar sua história na longa duração.


O que são afinal áreas etnográficas? Siga o link para a “página do Melatti” onde você encontrará mapas, descrições de cada uma das áreas, artigos e indicações bibliográficas: http://vsites.unb.br/ics/dan/juliomelatti/index.html.

Comparações entre as paisagens alto-xinguanas apresentadas em imagens e textos dos diários, analisados durante a preparação do estudo do meio, e as paisagens observadas na realização do trabalho de campo em Cananéia e Ilha Comprida foram desenvolvidas em um momento posterior à viagem. Os critérios adotados para comparar tais contextos baseiam-se em materiais evidências produzidos a partir de pesquisas de campo realizadas em sítios arqueológicos nessas duas regiões, na atualidade, cujos resultados foram difundidos através de publicações voltadas para difusão do conhecimento científico e tecnológico, como a Revista Pesquisa FAPESP. e artigos de coletâneas Essas publicações discutem questões teóricas sobre relações entre natureza e sociedade, as formas de representação do tempo e das mudanças culturais e outras, que possibilitaram contrastes entre os dois contextos: Amazônia e da Mata Atlântica. Na etapa de preparação, consideramos importante sensibilizar o(a)s participantes para questões relativas ao imaginário sobre as populações indígenas e os grupos pré-históricos em pauta no debate sobre complexidade das sociedades amazônicas no presente e no passado.

O
planejamento do estudo do meio envolveu também o levantamento de equipamentos e materiais necessários para o registro das atividades realizadas durante a pesquisa de campo em Cananéia e a Ilha Comprida. As orientações para essa fase de pré-produção do trabalho de campo envolveram também a leitura do artigo Olhar e Registro, de Acácio Arouche de Aquino, postado no blog Estudo do Meio (http://estudodomeio.wordpress.com/2008/10/18/trabalho-de-campo). Além de problematizar o papel da observação e do registro para o conhecimento do meio estudado, o autor do post também analisa sentidos e emoções mobilizados na produção de textos e desenhos, consideradas formas de expressão complementares àquelas da linguagem audiovisual registrada através da filmadora e da câmera fotográfica, e do gravador.

No que diz respeito ao material para trabalho de campo, a pauta apresentada nessa sequência didática incluía itens como: cadernos ou blocos de notas, canetas, lápis ou caneta hidrocor para desenho, câmeras para fotografar e filmar; e outros equipamentos utilizados pelos arqueólogos em suas pesquisas de campo, tais como GPS e bússola.



***

Planejar é um dos fundamentos metodológicos para a realização do trabalho de campo: tal ação se inicia na instituição (escola ou universidade) que está propondo o estudo do meio e abrange desde logística (inscrições, autorizações, hospedagem e transporte, alimentação), até a definição de objetivos, escolha do local (condizente com a condição material e financeira do proponente e dos participantes), seleção de textos e materiais audiovisuais para estudo, reflexões sobre técnicas, linguagens e instrumentos através das quais é possível apreender certa(s) realidade(s). Todo trabalho de campo, sejam seus integrantes pesquisadores ou professores em formação, sejam estudantes da educação básica, requer preparação; mas devemos lembrar sempre que as atividades podem ser alteradas em função de imprevistos e acasos que também enriquecem nossa experiência. Ser afável, manter o bom humor e a civilidade sempre, além de ser flexível diante de fatos inusitados, arranjos inesperados, ou limitações impostas por pessoas ou circunstâncias, é tão importante quanto planejar.

Adriane Costa da Silva
Didática do Ensino Superior

Apontamentos sobre estudo do meio e trabalho de campo



No primeiro momento, foi um impacto, ouvir aquelas conchas
se partindo com nosso peso, mas,
ao mesmo tempo, surgiram muitas indagações,
com certeza mais do que quando chegamos.
Anderson Tognoli, "Descrição da viagem para Cananéia"

A epígrafe supracitada é parte de um dos cadernos de campo dos estudantes do curso de especialização Arqueologia, História e Sociedade, da Universidade Santo Amaro (UNISA), e se refere ao trabalho de campo realizado em um dos sambaquis da Ilha Comprida (Cananéia, SP), em julho de 2009. No extremo sul do litoral paulista, onde está localizada essa ilha do complexo estuarino lagunar de Cananéia-Iguape, há vários sambaquis. Tais sítios arqueológicos despertaram a atenção dos estudiosos, desde as expedições realizadas pela Comissão Geographica e Geológica do Estado de São Paulo (SP) e os trabalhos de campo de arqueólogos do Museu Nacional (RJ), no final do século XIX, até os programas de pesquisa interdisciplinares sobre a pré-história, recentemente desenvolvidos na região. Essa região também é muito apreciada por outros tipos de viajantes: a beleza das paisagens, diversidade socioambiental e a riqueza do patrimônio histórico e cultural fazem de Cananéia e das ilhas do extremo sul do litoral de São Paulo um pólo de atração para o turismo. Alguns blogs e sites pesquisados na fase de pré-produção do estudo do meio têm como público alvo educadores e estudantes... e turistas.

Para conferir a importância dos sítios arqueológicos localizados nessa região costeira, onde realizamos nosso estudo do meio, e de outros dispersos na bacia do rio Ribeira, os leitores podem consultar artigos, dissertações e teses que integram as referências do post Bibliografia sobre sambaquis, também na seção Estudo do meio deste blog.

O sambaqui visitado está situado em uma área cujos vestígios arqueológicos são analisados na literatura especializada, a partir de problemas e abordagens construídos por meio de diálogos entre vários campos do conhecimento, voltados para o estudo da pré-história: arqueologia, paleontologia, zoologia, geofísica, bioantropologia, e outros. Muitas questões levantadas pelos participantes, durante a observação do sítio e o desenvolvimento de atividades, colocavam em pauta aspectos importantes para esses diálogos interdisciplinares e poderão ser aprofundadas através de pesquisa bibliográfica e da redação de alguns artigos para o blog. As indagações que reverberavam leituras e debates realizados em diversas disciplinas do curso, e foram amplificadas pelas atividades desenvolvidas no sambaqui, problematizam a antiguidade da ocupação dos povos pré-históricos na região; complexidade social, padrões de assentamento e transformações da paisagem; redes de relações entre os sítios arqueológicos fluviais e costeiros dessa área; cotidiano, modo de vida e sociabilidade dos povos que enterravam ali seus mortos e outros grupos pré-históricos da região, bem como outros questionamentos relativos ao manejo de plantas e outros recursos naturais que integram a paisagem do sambaqui em tempos passados; usos e conservação desse sítio na atualidade; relações entre comunidades tradicionais de hoje e povos pré-históricos.

Em muitos artigos de revistas acadêmicas, sites e blogs especializados, que apresentam experiências e reflexões sobre essa prática, as expressões estudo do meio e trabalho de campo são utilizadas praticamente como sinônimos: mas, nós utilizamos a expressão estudo do meio em nosso blog para descrever um conjunto de atividades – levantamento bibliográfico e leituras, debates, pesquisa de campo para coleta e registro de dados, produções de textos e imagens, divulgação – realizadas em várias etapas, ao passo que o trabalho de campo abrange as atividades realizadas em sítios arqueológicos, pesquisas em reservas técnicas de museus e outras instituições. Parafraseando o título de um artigo da geógrafa N. Pontuskha na coletânea O ensino de geografia no século XXI (Papirus), o conceito de estudo do meio transforma-se... em tempos diferentes, em instituições diferentes, com grupos diferentes, assim como as representações e práticas sobre o trabalho de campo modificam-se conforme os contextos e sujeitos envolvidos na pesquisa.

Além de consultar a bibliografia indicada nesta seção, siga os links interessantes para ampliar sua pesquisa bibliográfica (http://estudodomeio.wordpress.com/2008/11/04/bibliografia-do-estudo-do-meio/) e ler o artigo Estudo do meio, interdisciplinaridade e ação pedagógica de N. Pontuskha no blog Estudo do Meio e Questões Ambientais(http://estudodomeio.wordpress.com/2009/03/10/acao_pedagogica/).

O estudo do meio é um recurso pedagógico muito valorizado em diversos níveis da escolarização, desde a educação básica até o ensino superior, principalmente em cursos de formação inicial e continuada de professores, mas também de outras áreas das humanidades. É uma estratégia didática que envolve (re)planejar e (re)avaliar cada uma das diferentes etapas e também refletir sobre as relações entre ensino e pesquisa. A realização deste estudo do meio sobre os sambaquis de Cananéia envolveu várias atividades: preparação para a viagem ao litoral sul; pesquisa de campo; vivências e registros textuais e imagéticos em diários sobre o trabalho de campo; pesquisas e leituras temáticas (artigos e capítulos de dissertações e teses sobre sambaquis da região sul e sudeste de SP, sites e blogs sobre o meio estudado, matérias e artigos acadêmicos sobre uso de blogs na educação); análise, sistematização e apresentação de dados sob a forma de relatos etnográficos e de ensaios escritos pelos participantes para a publicação em blog; criação deste blog para a divulgar conhecimentos produzidos por estudantes e professores. Tais atividades realizadas em diferentes etapas do estudo do meio serão apresentadas em uma série de posts.

Adriane Costa da Silva
(Prof Ms - Didática do Ensino Superior)
Cláudia Plens
(Profa Dra - Arqueologia pré-histórica)
Vagner C. Porto
(Prof Dr - Arqueologia Histórica / Coordenador)
Curso de Especialização Arqueologia, História e Sociedade

Revisão : Adriane Costa da Silva