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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pré-produção do estudo do meio em Cananéia e Ilha Comprida

Uma das atividades realizadas durante a preparação da viagem para Cananéia e Ilha Comprida colocou em pauta as técnicas para registrar o trabalho de campo através de textos e imagens, durante a sessão do dia 27 de junho de 2009, na disciplina Didática do Ensino Superior. A seqüência didática proposta nessa etapa de preparação voltou-se para atividades de leitura e análise de passagens dos diários de campo de viajantes de diferentes épocas e lugares.
Trechos do diário de B. Malinovisk sobre sua viagem às ilhas Trobriand (Pacífico Sul), relatos de viagem produzidos por naturalistas e etnólogos alemães, como Karl von den Stein, que redescobriram o Brasil no final do sec. XIX e início do sec. XX, diários de campo como os de B. Ribeiro e E. Galvão, que originaram etnografias clássicas produzidas em outros momentos de reinvenção das paisagens brasileiras, principalmente nos anos 1940 e 1950, e descrições etnográficas sobre populações indígenas do Alto Xingu (MT), como histórias e "causos" narrados pelos irmãos Villas-Bôas e narrativas indígenas, que circularam recentemente através do impresso, da televisão ou da internet, foram comparados a partir das seguintes questões: o que é registrado pelos viajantes que escreveram esses diários? O que ressalta aos olhos desses observadores? Quais aspectos ou características das populações nativas são descritas? De que forma ou através de que técnicas eles produziram esses registros? De que modo seus escritos são divulgados? Para qual público leitor? Quais as técnicas utilizadas na produção das imagens que acompanham as anotações nesses diários? De que forma textos e imagens apresentam aos leitores paisagens, modos de vida, objetos de cultura material e grafismos?
À leitura e comparação desses materiais, seguiu-se a análise de conceitos estéticos utilizados na composição das etnografias, destacando-se algumas figuras de pensamento e linguagem que são recorrentes nessas descrições etnográficas. (tropo, personificação ou prosopopéia, metáfora, metonímia, sinédoque e outras) e as técnicas utilizadas na produção de imagens (fotografias e ilustrações). As relações de identidade e alteridade são projetadas em imagens construídas através dessas narrativas, e modos de vida e culturas nativos são definidos a partir da ausência de certas instituições ou negação de determinados traços culturais ocidentais.
A maioria das descrições etnográficas analisadas têm como cenário a região do Alto Xingu (T.I. Xingu, MT) situada na Amazônia Legal. Além de Mato Grosso, essa área abrange outros estados brasileiros (Tocantins, Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Amapá, Maranhão e Pará) situados na Bacia Amazônica. Essa área engloba grande diversidade de paisagens, ecossistemas e populações tradicionais.


Para saber mais sobre a região da Amazônia Legal, consulte o verbete da Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Amaz%C3%B4nia_Legal, ou navegue pelo portal http://www.amazonialegal.org.br/.
Veja também os mapas temáticos do Diagnóstico Ambiental da Amazônia Legal no site do IBGE http://mapas.ibge.gov.br/amazonia/viewer.htm.


A área conhecida como Amazônia Legal não é recortada por um imperativo geográfico, mas por um conceito político: trata-se de um dispositivo jurídico criado para orientar as políticas públicas desenvolvidas na região amazônica. Nesse cenário, deparamo-nos com questões sócio-culturais e econômicas que afetam as populações tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras) e outros grupos amazônicos, cuja repercussão nas políticas públicas voltadas para outras regiões do país, tal como o sudeste onde existe trechos preservados da Mata Atlântica ou o cerrado mineiro, é notável. Tais questões interessam a toda a sociedade brasileira e têm implicações para as pesquisas arqueológicas e antropológicas.
A região do Alto Xingu descrita por Karl Von dein Stein, Eduardo Galvão, Berta Ribeiro, Cláudio e Orlando Villas-Bôas pode ser localizada através de coordenadas geográficas, mas é também uma área etnográfica definida a partir de algumas características sobre destacadas por esses viajantes em suas etnografias. A paisagem exuberante dessa região de transição entre o cerrado e a floresta amazônica no norte do Mato Grosso é cenário de uma sociedade regional, na qual os grupos étnicos compartilham determinados valores e práticas como parentesco e organização social, padrões de assentamento, regime alimentar, sistema cerimonial, especialização comercial, mitologia, modelos cosmológicos, e cujos registros arqueológicos permitem traçar sua história na longa duração.


O que são afinal áreas etnográficas? Siga o link para a “página do Melatti” onde você encontrará mapas, descrições de cada uma das áreas, artigos e indicações bibliográficas: http://vsites.unb.br/ics/dan/juliomelatti/index.html.

Comparações entre as paisagens alto-xinguanas apresentadas em imagens e textos dos diários, analisados durante a preparação do estudo do meio, e as paisagens observadas na realização do trabalho de campo em Cananéia e Ilha Comprida foram desenvolvidas em um momento posterior à viagem. Os critérios adotados para comparar tais contextos baseiam-se em materiais evidências produzidos a partir de pesquisas de campo realizadas em sítios arqueológicos nessas duas regiões, na atualidade, cujos resultados foram difundidos através de publicações voltadas para difusão do conhecimento científico e tecnológico, como a Revista Pesquisa FAPESP. e artigos de coletâneas Essas publicações discutem questões teóricas sobre relações entre natureza e sociedade, as formas de representação do tempo e das mudanças culturais e outras, que possibilitaram contrastes entre os dois contextos: Amazônia e da Mata Atlântica. Na etapa de preparação, consideramos importante sensibilizar o(a)s participantes para questões relativas ao imaginário sobre as populações indígenas e os grupos pré-históricos em pauta no debate sobre complexidade das sociedades amazônicas no presente e no passado.

O
planejamento do estudo do meio envolveu também o levantamento de equipamentos e materiais necessários para o registro das atividades realizadas durante a pesquisa de campo em Cananéia e a Ilha Comprida. As orientações para essa fase de pré-produção do trabalho de campo envolveram também a leitura do artigo Olhar e Registro, de Acácio Arouche de Aquino, postado no blog Estudo do Meio (http://estudodomeio.wordpress.com/2008/10/18/trabalho-de-campo). Além de problematizar o papel da observação e do registro para o conhecimento do meio estudado, o autor do post também analisa sentidos e emoções mobilizados na produção de textos e desenhos, consideradas formas de expressão complementares àquelas da linguagem audiovisual registrada através da filmadora e da câmera fotográfica, e do gravador.

No que diz respeito ao material para trabalho de campo, a pauta apresentada nessa sequência didática incluía itens como: cadernos ou blocos de notas, canetas, lápis ou caneta hidrocor para desenho, câmeras para fotografar e filmar; e outros equipamentos utilizados pelos arqueólogos em suas pesquisas de campo, tais como GPS e bússola.



***

Planejar é um dos fundamentos metodológicos para a realização do trabalho de campo: tal ação se inicia na instituição (escola ou universidade) que está propondo o estudo do meio e abrange desde logística (inscrições, autorizações, hospedagem e transporte, alimentação), até a definição de objetivos, escolha do local (condizente com a condição material e financeira do proponente e dos participantes), seleção de textos e materiais audiovisuais para estudo, reflexões sobre técnicas, linguagens e instrumentos através das quais é possível apreender certa(s) realidade(s). Todo trabalho de campo, sejam seus integrantes pesquisadores ou professores em formação, sejam estudantes da educação básica, requer preparação; mas devemos lembrar sempre que as atividades podem ser alteradas em função de imprevistos e acasos que também enriquecem nossa experiência. Ser afável, manter o bom humor e a civilidade sempre, além de ser flexível diante de fatos inusitados, arranjos inesperados, ou limitações impostas por pessoas ou circunstâncias, é tão importante quanto planejar.

Adriane Costa da Silva
Didática do Ensino Superior

Apontamentos sobre estudo do meio e trabalho de campo



No primeiro momento, foi um impacto, ouvir aquelas conchas
se partindo com nosso peso, mas,
ao mesmo tempo, surgiram muitas indagações,
com certeza mais do que quando chegamos.
Anderson Tognoli, "Descrição da viagem para Cananéia"

A epígrafe supracitada é parte de um dos cadernos de campo dos estudantes do curso de especialização Arqueologia, História e Sociedade, da Universidade Santo Amaro (UNISA), e se refere ao trabalho de campo realizado em um dos sambaquis da Ilha Comprida (Cananéia, SP), em julho de 2009. No extremo sul do litoral paulista, onde está localizada essa ilha do complexo estuarino lagunar de Cananéia-Iguape, há vários sambaquis. Tais sítios arqueológicos despertaram a atenção dos estudiosos, desde as expedições realizadas pela Comissão Geographica e Geológica do Estado de São Paulo (SP) e os trabalhos de campo de arqueólogos do Museu Nacional (RJ), no final do século XIX, até os programas de pesquisa interdisciplinares sobre a pré-história, recentemente desenvolvidos na região. Essa região também é muito apreciada por outros tipos de viajantes: a beleza das paisagens, diversidade socioambiental e a riqueza do patrimônio histórico e cultural fazem de Cananéia e das ilhas do extremo sul do litoral de São Paulo um pólo de atração para o turismo. Alguns blogs e sites pesquisados na fase de pré-produção do estudo do meio têm como público alvo educadores e estudantes... e turistas.

Para conferir a importância dos sítios arqueológicos localizados nessa região costeira, onde realizamos nosso estudo do meio, e de outros dispersos na bacia do rio Ribeira, os leitores podem consultar artigos, dissertações e teses que integram as referências do post Bibliografia sobre sambaquis, também na seção Estudo do meio deste blog.

O sambaqui visitado está situado em uma área cujos vestígios arqueológicos são analisados na literatura especializada, a partir de problemas e abordagens construídos por meio de diálogos entre vários campos do conhecimento, voltados para o estudo da pré-história: arqueologia, paleontologia, zoologia, geofísica, bioantropologia, e outros. Muitas questões levantadas pelos participantes, durante a observação do sítio e o desenvolvimento de atividades, colocavam em pauta aspectos importantes para esses diálogos interdisciplinares e poderão ser aprofundadas através de pesquisa bibliográfica e da redação de alguns artigos para o blog. As indagações que reverberavam leituras e debates realizados em diversas disciplinas do curso, e foram amplificadas pelas atividades desenvolvidas no sambaqui, problematizam a antiguidade da ocupação dos povos pré-históricos na região; complexidade social, padrões de assentamento e transformações da paisagem; redes de relações entre os sítios arqueológicos fluviais e costeiros dessa área; cotidiano, modo de vida e sociabilidade dos povos que enterravam ali seus mortos e outros grupos pré-históricos da região, bem como outros questionamentos relativos ao manejo de plantas e outros recursos naturais que integram a paisagem do sambaqui em tempos passados; usos e conservação desse sítio na atualidade; relações entre comunidades tradicionais de hoje e povos pré-históricos.

Em muitos artigos de revistas acadêmicas, sites e blogs especializados, que apresentam experiências e reflexões sobre essa prática, as expressões estudo do meio e trabalho de campo são utilizadas praticamente como sinônimos: mas, nós utilizamos a expressão estudo do meio em nosso blog para descrever um conjunto de atividades – levantamento bibliográfico e leituras, debates, pesquisa de campo para coleta e registro de dados, produções de textos e imagens, divulgação – realizadas em várias etapas, ao passo que o trabalho de campo abrange as atividades realizadas em sítios arqueológicos, pesquisas em reservas técnicas de museus e outras instituições. Parafraseando o título de um artigo da geógrafa N. Pontuskha na coletânea O ensino de geografia no século XXI (Papirus), o conceito de estudo do meio transforma-se... em tempos diferentes, em instituições diferentes, com grupos diferentes, assim como as representações e práticas sobre o trabalho de campo modificam-se conforme os contextos e sujeitos envolvidos na pesquisa.

Além de consultar a bibliografia indicada nesta seção, siga os links interessantes para ampliar sua pesquisa bibliográfica (http://estudodomeio.wordpress.com/2008/11/04/bibliografia-do-estudo-do-meio/) e ler o artigo Estudo do meio, interdisciplinaridade e ação pedagógica de N. Pontuskha no blog Estudo do Meio e Questões Ambientais(http://estudodomeio.wordpress.com/2009/03/10/acao_pedagogica/).

O estudo do meio é um recurso pedagógico muito valorizado em diversos níveis da escolarização, desde a educação básica até o ensino superior, principalmente em cursos de formação inicial e continuada de professores, mas também de outras áreas das humanidades. É uma estratégia didática que envolve (re)planejar e (re)avaliar cada uma das diferentes etapas e também refletir sobre as relações entre ensino e pesquisa. A realização deste estudo do meio sobre os sambaquis de Cananéia envolveu várias atividades: preparação para a viagem ao litoral sul; pesquisa de campo; vivências e registros textuais e imagéticos em diários sobre o trabalho de campo; pesquisas e leituras temáticas (artigos e capítulos de dissertações e teses sobre sambaquis da região sul e sudeste de SP, sites e blogs sobre o meio estudado, matérias e artigos acadêmicos sobre uso de blogs na educação); análise, sistematização e apresentação de dados sob a forma de relatos etnográficos e de ensaios escritos pelos participantes para a publicação em blog; criação deste blog para a divulgar conhecimentos produzidos por estudantes e professores. Tais atividades realizadas em diferentes etapas do estudo do meio serão apresentadas em uma série de posts.

Adriane Costa da Silva
(Prof Ms - Didática do Ensino Superior)
Cláudia Plens
(Profa Dra - Arqueologia pré-histórica)
Vagner C. Porto
(Prof Dr - Arqueologia Histórica / Coordenador)
Curso de Especialização Arqueologia, História e Sociedade

Revisão : Adriane Costa da Silva